“O tordo-comum (Turdus philomelos) que queria ser uma cotovia (Alaudidae)”
Mário Silva Mário Silva
“O tordo-comum (Turdus philomelos)
que queria ser uma cotovia (Alaudidae)”
A fotografia de Mário Silva retrata um tordo-comum (Turdus philomelos), uma ave pequena e castanha com peito salpicado de manchas escuras, pousada num galho.
O título "que queria ser uma cotovia (Alaudidae)" sugere uma brincadeira poética, talvez aludindo à postura ou ao ambiente da ave, que remete ao comportamento das cotovias, conhecidas por cantarem em voo.
O fundo verde desfocado destaca o pássaro e o galho, criando uma composição natural e serena.
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O Tordo que Queria Ser Cotovia
Numa floresta verdejante, onde os raios de sol dançavam entre as folhas, vivia um tordo-comum chamado Téo.
Ele era um pássaro de penas castanhas salpicadas de pintas brancas, com um canto melodioso que encantava quem o ouvia.
Mas Téo não estava satisfeito.
Ele sonhava ser uma cotovia, uma ave conhecida por voar alto e cantar enquanto paira no céu, como se beijasse as nuvens.
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Todas as manhãs, Téo observava as cotovias subindo em espiral, as suas asas cortando o ar com graça, enquanto entoavam uma melodia que parecia tocar o coração do vento.
"Se ao menos eu pudesse voar assim", suspirava Téo, pousado num ramo musgoso.
Ele tentava imitar o voo das cotovias, mas as suas asas, mais curtas e largas, não o levavam tão alto.
O seu canto, embora belo, não tinha a leveza etérea das cotovias.
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Um dia, Téo decidiu pedir ajuda à sábia coruja, Dona Clara, que morava numa árvore oca.
"Dona Clara, quero ser uma cotovia! Quero voar alto e cantar como elas. O que devo fazer?" perguntou, com os olhos brilhando de esperança.
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Dona Clara, com o seu olhar penetrante, respondeu: "Téo, cada pássaro tem o seu próprio dom.
As cotovias voam alto porque nasceram para isso, mas tu tens um canto que emociona a floresta inteira. Por que queres ser algo que não és?"
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"Porque acho que serei mais feliz assim", confessou Téo, cabisbaixo.
"Então", disse Dona Clara, "tenta voar como uma cotovia, mas não esqueças quem és."
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Determinado, Téo passou dias treinando. Ele batia as asas com força, subindo cada vez mais alto, até sentir o ar rarefeito.
Mas, ao tentar cantar enquanto voava, perdia o fôlego e caía, rolando por entre as folhas.
Os outros pássaros riam, e Téo sentia-se envergonhado.
Ainda assim, não desistiu.
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Numa manhã de primavera, enquanto Téo tentava mais uma vez, uma cotovia chamada Lila pousou ao seu lado. "Por que te esforças tanto, tordo?" perguntou ela, curiosa.
"Quero ser como tu", respondeu Téo. "Quero voar alto e cantar para o céu."
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Lila sorriu. "Sabes, Téo, eu invejo o teu canto. Ele é tão rico e profundo que faz a floresta parar para ouvir. Eu canto no céu, mas ninguém presta tanta atenção quanto presta a ti. Por que não cantamos juntos?"
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Téo hesitou, mas aceitou.
Ele e Lila começaram a cantar — ela voando em círculos no céu, com a sua melodia leve, e ele no ramo, com o seu canto quente e envolvente.
As vozes dos dois misturaram-se, criando uma harmonia que fez a floresta inteira silenciar.
Os pássaros, os esquilos e até o vento pareceram parar para ouvir.
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Naquele momento, Téo percebeu que não precisava ser uma cotovia para ser especial.
Ele era um tordo, e o seu canto tinha um poder único.
A partir daquele dia, Téo e Lila tornaram-se amigos, cantando juntos sempre que podiam, unindo o céu e a terra numa melodia perfeita.
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E assim, o tordo que queria ser cotovia aprendeu a amar quem era, descobrindo que a verdadeira felicidade não está em ser outro, mas em partilhar o que há de melhor em si.
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Texto & Fotografia: ©MárioSilva
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