O Regresso
Mário Silva Mário Silva
O Regresso
Miguel regressou à aldeia onde nascera depois de quase duas décadas vivendo em Lisboa. Deixara Trás-os-Montes ainda adolescente, com sonhos de estudar, crescer e conquistar um mundo que, para ele, parecia pequeno demais nas serras e vales da sua infância.
Agora, regressava homem feito, com anos de trabalho numa multinacional e o espírito inquieto de quem já não sabia onde pertencia.
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O reencontro com a aldeia foi agridoce.
Os mais velhos ainda se lembravam dele e saudaram-no com abraços demorados e sorrisos carregados de nostalgia.
Mas os mais novos viam-no como um estranho. "O lisboeta", murmuravam quando passava.
Sentiu-se deslocado na própria terra, como se pertencesse a dois mundos e, ao mesmo tempo, a nenhum.
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Nos primeiros meses, Miguel lutou contra o silêncio das noites sem o ruído incessante da cidade.
Estranhou a lentidão dos dias, o tempo que se media pelo nascer e pôr do sol e não pelos ponteiros de um relógio de pulso.
Habituara-se a cafés apressados em esplanadas movimentadas e agora via-se a partilhar longas conversas na tasca local, ouvindo histórias que pareciam suspensas no tempo.
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A adaptação foi difícil.
A internet era lenta, a mercearia mais próxima ficava a mais de meia hora de distância e a solidão impunha-se de forma avassaladora.
Mas, aos poucos, aprendeu a apreciar as rotinas simples: a ida à mercearia para comprar pão fresco, o cheiro da terra molhada depois da chuva, o prazer de colher os próprios legumes da horta do seu avô.
E, sobretudo, redescobriu a alegria da proximidade humana, dos almoços intermináveis à volta da mesa e da solidariedade entre vizinhos.
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Miguel percebeu, então, que a felicidade não era exclusiva dos grandes centros.
O progresso e a modernidade tinham o seu valor, mas também tinham um preço.
Na aldeia, encontrou um sentido de pertença que nunca tivera nos anos apressados da cidade.
Aprendeu que a vida não precisa de ser sempre uma corrida e que, por vezes, voltar às raízes é a melhor forma de avançar.
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Para aqueles que enfrentam um regresso semelhante, Miguel deixa um ensinamento: a adaptação não é imediata, mas é possível.
A saudade da vida anterior vai existir, assim como a incerteza sobre se foi a escolha certa.
Mas, se há algo que Trás-os-Montes lhe ensinou, é que a terra sabe esperar pelos seus filhos.
E quando estes regressam, de coração aberto, a aldeia sempre encontra um lugar para eles.
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Com o passar dos meses, Miguel começou a investir na comunidade.
Restaurou a casa dos avós, plantou uma vinha e começou a colaborar com os produtores locais, trazendo novas ideias que equilibravam tradição e inovação.
Criou um pequeno negócio de turismo rural, mostrando aos visitantes as belezas escondidas da região, partilhando histórias antigas e os sabores únicos da gastronomia transmontana.
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E, enquanto a vida se desenrolava entre colinas e vinhedos, Miguel sentiu que finalmente encontrara o seu lugar.
A aldeia já não o via como o "lisboeta", mas como um dos seus.
E ele, que um dia partira em busca de um futuro melhor, percebeu que o futuro sempre estivera ali, à espera do seu regresso.
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Texto & Desenho digital: ©MárioSilva
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