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MÁRIO SILVA - Fotografia, Pintura & Escrita

*** *** A realidade é a "minha realidade" em imagens (fotografia, pintura) e escrita

28
Dez24

O conto: "A Rampa Escorregadia de Cimo de Vila"


Mário Silva Mário Silva

A Rampa Escorregadia de Cimo de Vila

28Dez Águas Frias 7

A neve havia embranquecido toda a aldeia de Cimo de Vila, trazendo um silêncio profundo, interrompido apenas pelo tilintar ocasional dos flocos de gelo que se desprendiam dos beirais.

A rampa que ligava o topo ao centro da aldeia parecia um tapete de cristal.

Ninguém ousava atravessá-la à noite... exceto, claro, Sarafim "Trôpego", conhecido não só pelo equilíbrio duvidoso, mas também pela paixão pelos copitos de aguardente.

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Naquela noite, Sarafim tinha visitado a tasca do Quim da Esquina.

Entre conversas sobre os lobos que rondavam as serras e as histórias exageradas sobre as colheitas, Sarafim havia aquecido o espírito com generosas doses do néctar forte da aldeia.

Sentia-se invencível e, sobretudo, com uma coragem de leão para enfrentar a rampa traiçoeira.

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Com o casaco mal abotoado e um gorro torto, Sarafim começou a descer o caminho.

A lua cheia iluminava a neve com um brilho quase mágico.

- Isto tá um espelho! - disse, enquanto soltava um riso misturado com um soluço.

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Ao primeiro passo, um leve deslize.

Sarafim riu, ajustou a postura e continuou.

No segundo passo, o chão pareceu querer abraçá-lo, mas ele manteve o equilíbrio com uma dança desajeitada.

No terceiro, não teve a mesma sorte: o pé esquerdo escorregou, o direito foi atrás, e Sarafim transformou-se num trenó humano.

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- Ai valha-me Nossa Senhora das Botas de Fricção! - gritou enquanto deslizava.

A rampa parecia não ter fim.

Tentou travar com as mãos, mas o gelo estava tão polido que parecia um sabão.

Passou em frente à casa da Dona Gertrudes, que espreitava pela janela.

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- Ó Sarafim, isso é um trenó ou estás a testar o gelo?! - gritou ela, gargalhando.

Sarafim, sem conseguir responder, soltou um "Uuuhhh, lá vou euuu!" enquanto girava em círculos.

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Mais abaixo, o cachorro do senhor Anacleto, um pequeno, mas audacioso cão chamado Piloto, viu Sarafim aproximando-se a toda velocidade.

Piloto, na sua inocência canina, decidiu brincar e correu atrás do "intruso deslizante".

Agora, Sarafim era seguido por um cão entusiasmado que latia como se estivesse numa perseguição policial.

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Quando chegou ao fim da rampa, o inevitável aconteceu.

Sarafim embateu num monte de lenha empilhada.

A madeira voou, o cachorro latiu, e o som ecoou pela aldeia.

Mas, surpreendentemente, Sarafim levantou-se, sacudiu a neve das roupas e declarou com orgulho:

- E é assim, meus amigos, que se faz a descida mais rápida de Cimo de Vila! Alguém me traz um copito para celebrar?"

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A aldeia inteira acordou com as risadas e, nos dias seguintes, a história do "trenó humano" de Sarafim espalhou-se como um incêndio.

Dizem que, até hoje, ele insiste que foi tudo planeado.

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E assim, a rampa de Cimo de Vila ganhou um novo nome: "A Pista do Sarafim Trôpego".

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Conto & Fotografia: ©MárioSilva

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Mário Silva 📷

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