Conto: "A Tarde de Outono de Tico" - Cartaxo-Comum (Saxicola rubicola)
Mário Silva Mário Silva
Conto da fauna transmontana
"A Tarde de Outono de Tico"
Cartaxo-Comum (Saxicola rubicola)
O sol de fim de tarde lançava raios dourados através das copas das árvores na floresta de Trás-os-Montes.
Tico, um pequeno cartaxo-comum de peito laranja vibrante e cabeça preta lustrosa, estava empoleirado num galho nodoso de um velho carvalho.
O ar estava fresco, com uma leve brisa que fazia as folhas secas dançarem no chão da floresta, criando um tapete multicolorido de tons de vermelho, amarelo e castanho.
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Tico observava atentamente o mundo ao seu redor, com os seus olhos brilhantes captando cada detalhe.
O crepitar das folhas secas sob as patas de pequenos animais, o suave murmurar de um riacho próximo e o ocasional pio distante de uma coruja compunham a sinfonia da floresta.
O cheiro de terra húmida e fungos misturava-se com o aroma adocicado das últimas frutas do outono.
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Sempre curioso e fascinado pelas mudanças sazonais, Tico decidiu aventurar-se mais profundamente na floresta.
Planou graciosamente do seu poleiro, com as suas asas cortando o ar fresco do outono.
Enquanto voava, os seus sentidos aguçados captavam uma miríade de estímulos: o aroma pungente de folhas em decomposição, o som suave de pinhas caindo no chão macio da floresta, a sensação do ar frio contra suas penas.
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De repente, uma cena incomum capturou a atenção de Tico.
Pousando num galho baixo, ele observou um ouriço-cacheiro atarefado, armazenando maçãs silvestres numa pequena cavidade entre as raízes de uma árvore antiga.
O ouriço movia-se com determinação e os seus espinhos brilhavam sob a luz dourada do sol poente.
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Não muito longe, um esquilo vermelho observava a cena com olhos ávidos.
Com movimentos furtivos, o esquilo aproximou-se, claramente interessado nas suculentas maçãs que o ouriço estava a guardar.
O ouriço, percebendo a aproximação do intruso, enrolou-se numa bola espinhosa, protegendo o seu precioso armazenamento.
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Tico observava, fascinado, a dinâmica entre os dois animais.
O esquilo, ágil e astuto, tentava encontrar uma brecha na defesa do ouriço.
Por sua vez, o ouriço mantinha-se firme, determinado a proteger as suas provisões para o inverno que se aproximava.
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Movido por um impulso de compaixão, Tico decidiu intervir.
Voou até uma macieira próxima e, com o seu bico afiado, começou a bicar algumas maçãs maduras, fazendo-as cair no chão perto do esquilo.
Em seguida, chilreou melodiosamente, como se estivesse a explicar sua ideia: havia maçãs suficientes para todos, sem a necessidade de conflito.
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O ouriço e o esquilo ficaram momentaneamente paralisados, surpresos com a inesperada intervenção do pequeno pássaro.
Os seus olhares passavam de Tico para as maçãs caídas, e de volta para Tico, com uma mistura de confusão e curiosidade.
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Lentamente, o esquilo aproximou-se das maçãs que Tico havia derrubado, enquanto o ouriço, cautelosamente, desenrolava-se da sua posição defensiva.
A tensão no ar dissipou-se gradualmente, substituída por uma atmosfera de entendimento mútuo.
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Tico observava com satisfação enquanto o esquilo começava a comer uma das maçãs e o ouriço voltava a organizar seu armazenamento.
O seu pequeno ato de bondade havia transformado um potencial conflito numa cena de coexistência pacífica.
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Com o sol pondo-se no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa, Tico alçou voo de volta para o seu ninho, levando consigo a lembrança calorosa de uma tarde bem vivida e a satisfação de ter feito a diferença no seu pequeno canto da floresta.
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Conto & Fotografia: ©MárioSilva
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