Uma réstia da aldeia transmontana e Miguel Torga
Mário Silva Mário Silva
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Uma réstia da aldeia transmontana - Águas Frias -Chaves – Portugal
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Continuando, como um sinal de entusiasmo e gratidão ao autor que tão bem descreveu e enalteceu a região de Trás-Os-Montes – Miguel Torga, aqui deixo mais um dos seus poemas.
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LIVRO DE HORAS
Aqui diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
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Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
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Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
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e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
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Me confesso
o dono das minhas horas
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
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E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
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Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
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Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
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Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
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Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
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Miguel Torga
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