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Abr08
Águas Frias - 25 de Abril
Mário Silva Mário Silva
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ÁGUAS FRIAS – 25 de Abril
Hoje comemoram-se os 34 anos após a Revolução de 25 de Abril de 1974, que ficou popularmente conhecida por Revolução dos Cravos, já que esta se concretizou “sem” tiros ou baixas humanas e que num simples gesto de uma vendedeira de flores, em reconhecimento pela acção dos militares, ofertou cravos e que os soldados depositaram nos canos das espingardas. Este gesto, carregado de simbolismo, passou a ser a marca da Revolução de Abril.
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Mas para além de todo este simbolismo, este dia vira significativamente uma página na nossa História recente, mudando de um regime político totalitário para um regime democrático, em que a principal conquista foi a LIBERDADE, em toda a sua concepção.
É a ela que se deve, por exemplo, a possibilidade da existência deste espaço, em que livremente possa escrever o que sinto, sem que exista o “lápis da censura” condicionando-me ao que quer que seja e até haja espaço para que todos os que quiserem possam exprimir as suas opiniões e comentários.
Assim, hoje, e dedicando a todos os que ao longo destes 34 anos tornaram possível esta minha liberdade, vou transcrever um excerto de um poema de João Ary dos Santos, dessa época e que (penso eu) retrata o pensamento da importância desta data, sendo acompanhado por imagens actuais desta pequena e bela Aldeia de Chaves – Águas Frias.
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Castelo de Monforte do Rio Livre - o berço da Aldeia de Águas Frias |
As Portas que Abril Abriu
José Carlos Ary dos Santos
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
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Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
…
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
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Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
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Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
…
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
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onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
…
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
…
Agora que já floriu
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a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.
…
E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.
…
Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.
Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
- Não havia estado novo
nos poemas de Camões!
…
Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo
…
De tudo o que Abril abriu
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ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
…
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
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que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
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"Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança."
António Gedeão
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